‘- Pai, é hoje, hein! Lembra o que te pedi?’
-‘Fica calmo moleque, hoje tá comigo. Sei que é um dia especial pra você.’
-‘Mas sabe que o negócio por lá anda complicado, né? Não é mais como na nossa época. Tu vai ter que trabalhar direitinho.’
– ‘Quer ensinar padre a rezar missa?! Faço isso há mais tempo do que você dribla. Senta tranquilo aí e pede uma gelada que vai começar.’
A bola rola. Ou melhor, voa. ‘Lançamento’ pra lá e pra cá. Fim de 1º tempo: 0 a 0.
– ‘O Pai, já deu né? Olha o que esses caras tão jogando? Cadê a moralzinha que tu ia dar?’.
– ‘Já dei, não viu aquela defesa que o gringo fez? Sem mim ele não passa nem bola pela poça. Já falei pra relaxar.’
– ‘Mas só tem defesa, ninguém cria. Tá feio. Se bem conheço, daqui a pouco os caras acertam o cruzamento e fazem um. Vê se dá uma forcinha pra uns aí, tem uma galera precisando se redimir. Seria maneiro.’, diz o menino.
– ‘- Moleque pentelho. Tu é chato mas gosto de você. Mas só porque você fazia o que eu pedia também. Tem preferência por algum?’
– ‘Sei lá, me surpreenda’, responde o garoto.
Rafael Silva lança Serginho e o volante cai na área. Pênalti!
– ‘Putz, tu é o cara! Quem ia imaginar que ele ia avançar assim? Nunca sobe! Só você mesmo, Pai!’
Com um sorriso meio de lado no rosto, vira devagar e responde:
– ‘Serginho? Fui eu que fiz isso não. Dei uma cutucada foi naquele rapaz que assopra apito ali no meio, tá me devendo tem tempos! Não podia deixar escapar essa’, responde e solta uma leve gargalhada.
Gilberto cobra e marca: 1 a 0.
O menino pula em cima do Pai e dá um beijo na careca brilhante. O velho homem não se segura e cai na risada. Os dois estão em festa.
‘- Pai, vê se não deita mais cedo dessa vez. Viu o rolo que deu ano passado? Larga essa gelada e concentra. Enquanto ele não apitar tu não dorme!’, esbraveja o menino.
‘- Já que tu gosta de falar, usa esse restinho de tempo para rezar. Faz bem. Pega essa oração aqui no meu bolso, garoto.’, diz o Pai.
E o menino começa a orar em voz alta:
‘- Que o Alecsandro tenha pés, mas não use
Que Paulo Vítor tenha mãos, mas não alcance
Que o juiz tenha olhos, mas só pra gente
E nem um regulamento possa nos fazer mal…’
Que Paulo Vítor tenha mãos, mas não alcance
Que o juiz tenha olhos, mas só pra gente
E nem um regulamento possa nos fazer mal…’
‘ – Tu não presta, Pai!’, fala o garoto sem conseguir segurar as lágrimas de tanto rir.
‘- Olha o respeito, moleque!’
‘- Voltou?’
‘- Voltou!’
O Flamengo passa a pressionar e o menino começa a ficar nervoso. Tranquilo, o Pai vira e resolve acabar com a agonia daquele moleque franzino.
‘- Tá afim de ir lá brincar? Afinal, é seu dia.’, pergunta o Pai.
‘- Sério? Você tá falando sério mesmo?’, responde afoito.
‘- Mas de leve, senão os caras percebem. É só pra moralizar a casa, depois tu volta. Sem exagero!’, retruca o homem.
‘-Deixa comigo!’, diz o menino com um ar pouco confiável.
‘- Quer ir no lugar de quem?’, o Pai pergunta.
‘- Deixa eu uns dois minutinhos naquele abusado ali. Vale nada também mas é gente boa. Tem meu estilo. Quero cara duro não!’
Dito e feito. Duas trivelas no meio de campo e uma caneta linda em Bressan, e o garoto volta.
‘- Que drible, hein, moleque? Não fez o gol por quê? Merecia! Que jogada linda!’, diz o Pai ao vê-lo.
‘- Ora, você não falou que não podia abusar? Se soubesse tinha entrado com bola e tudo, o Bernardo merecia essa. Mas tá tranquilo, o senhor sabe que eu gosto mesmo é driblar, já estou satisfeito. Valeu mesmo, Pai! Depois pago a gelada.’
‘- Aqui é de graça, rapaz!’, responde o Pai quase num susto.
‘Pois é, por isso!’, e caem os dois na gargalhada.
O juiz apita o fim e eles se abraçam. As lágrimas de alegria e saudade escorrem. Missão cumprida.
‘- Dener, aproveita que tá aqui e bate uma foto minha que vou mandar para o ‘dotô’. Acho que chamam de ‘zelfi’ essa parada agora.’
‘- Deixa comigo, Santana! Mas o certo é ‘servi”.
‘- Bate logo, Dener! Quero descansar.’
– ‘Semana que vem estamos juntos?’, pergunta o menino Dener.
‘- Sempre, meu filho. Sempre…’, responde Pai Santana.
Saudações vascaínas! /+/
Ps: A morte de Dener completou 21 anos nesse domingo.
VaicainaMENTE... MONUMENTAL, no céu, na Terra e nos nos teus versos, Garone!
ResponderExcluirSiga no SER...
SOMOS UM!!!